quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Um pouco mais de poesia!


Sonhos...
"Eu me conto em segredo, em verdades ocultas
que sempre soube mas que não podia
saber. E, neste jogo ardiloso, vou
descobrindo, surpreso e perplexo, aquilo
que sou mas que não podia ser. Mas,
sempre fui sem poder saber!
Eu sonho!"
"Um dia sonhei que era EU e quando
acordei descobri que vivia um NÃO-EU
Mas, em que enrascada danada eu tinha me metido,
Pois vivia no sonho e sonhava na vida."
Victor R. C. da Silva Dias




Poesia de um grande mestre! Alguém que foi bastante importante na constituição de meu papel  de psicoterapeuta! 
Psicodramatista por excelência, apoderou-se da espontaneidade e criatividade Morenianas e contribuiu imensamente, com a Análise Psicodramática,  para o fortalecimento do Psicodrama Terapêutico!

Sinta-se à vontade para desvendar-se!

Sintaxe à vontade (O Teatro Mágico)


Todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser
Todo verbo é livre para ser direto ou indireto
Nenhum predicado será prejudicado
Nem tampouco a frase, nem a crase
Nem a vírgula e ponto final
Afinal, a má gramática da vida
Nos põe entre pausas
Entre vírgulas
E estar entre vírgulas
Pode ser aposto
E eu aposto o oposto
Que vou cativar a todos
Sendo apenas um sujeito simples
Um sujeito, sua oração
Sua pressa e sua prece
Que enxerguemos o fato
De termos acessórios para a nossa oração
Separados ou adjuntos
Nominais ou não
Façamos parte do contexto
Sejamos todas as capas de edição especial
Mas, porém, contudo,entretanto,todavia,não obstante
Sejamos também a contracapa
Porque ser a capa e ser contracapa
É a beleza da contradição
É negar a si mesmo
E negar-se a si mesmo
É muitas vezes encontrar-se com Deus
Com o teu Deus
Sem horas e Sem dores
Que nesse momento em que cada um se encontra agora
Um possa se encontrar no outro
E o outro no um
Até por que
Tem horas que a gente se pergunta...
Porque é que não se junta tudo numa coisa só?


sábado, 15 de outubro de 2011

"Geração Ritalina"

Reportagem da Revista TRIP, de 21/09/2011

Disponível em: http://revistatrip.uol.com.br/revista/203/reportagens/geracao-ritalina.html 


"Falta de atenção e foco virou doença. O nome? Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade. A suposta solução? O remédio tarja preta, do qual o Brasil é o segundo maior consumidor do mundo. Psiquiatras culpam o cérebro; outros, a sociedade. Nosso repórter ouviu os dois lados e passou uma semana sob o efeito da “droga da obediência”


“Bom, é o seguinte: você tem sinais de déficit de atenção e de ansiedade. Vou te prescrever um medicamento”, sentenciou o psiquiatra. O gravador escondido no bolso marcava exatos 23 min de consulta – tempo suficiente para ele me diagnosticar com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) e escorregar pela mesa uma receita para três caixas de Ritalina. Não precisei mentir nem exagerar nada. Em resumo, relatei que vez ou outra tenho dificuldade para me concentrar em coisas que não me interessam, que prazos podem ser um problema e que faz tempo que não leio um livro até o fim. O que foi? Se identificou com alguma coisa?

Não se preocupe. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Associação Americana de Psiquiatria, cerca de 4% dos adultos e de 5% a 8 % de crianças e adolescentes de todo o mundo sofrem de TDAH, “uma síndrome caracterizada por desatenção, hiperatividade e impulsividade”, atigamente chamada apenas de DDA (déficit de atenção). Em uma sala de aula com 40 crianças, por exemplo, estima-se que pelo menos dois sejam portadores. E cada vez mais o destino delas é o mesmo que o meu: o consultório de um psiquiatra.
Grande parte da psiquiatria vê o TDAH como uma doença neurobiológica, causada por um desequilíbrio químico no cérebro, tal qual a depressão. O diagnóstico é feito a partir de entrevistas, isto é, não há exames que detectem a doença. Seus “defensores”, por assim dizer, afirmam existir mais de 10 mil estudos relatando seus sintomas, os primeiros datando dos anos 1700.
Todavia, isso são hipóteses, teorias. Muitos profissionais, especialmente de outros ramos da medicina, questionam a causa, o diagnóstico, o tratamento com remédios e a utilização do transtorno como justificativa para desempenhos fracos na escola. Alguns, mais radicais, duvidam até da própria existência do TDAH.
Muitos profissionais questionam a causa, o diagnóstico, o tratamento com remédios e a utilização do transtorno como justificativa para desempenhos fracos na escola
Mesmo assim, resolvi seguir as recomendações do meu médico. Durante uma semana, vivi sob o efeito do remédio tarja preta (leia o diário no fim do texto), apelidado por seus críticos de “droga da obediência”. Nem a Novartis, laboratório fabricante, nem a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (anvisa) revelam os números de vendas. Mas previsões do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos (Idum) dizem que, em tese, nos últimos 11 anos, elas galoparam cerca de 3.200%. O número coloca o Brasil como o segundo maior consumidor de Ritalina do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos.
A pesquisa não contempla o mercado negro, que, ao que parece, é bem movimentado. Bastou meia hora no Google para encontrar diversos anúncios de gente oferecendo o remédio “off label” (sem receita). Por telefone, acordei de encontrar um vendedor em uma estação de metrô na manhã do dia seguinte. Chegando lá, um motoboy me entregou em mãos um envelope pardo e pediu que eu conferisse o conteúdo: Ritalina 10 mg, 20 comprimidos, lacrada e dentro da validade. Valor: R$ 80. Nas farmácias, sai em média por um quarto do preço. Relativamente barata, fácil de conseguir e teoricamente segura, a “Rita” vem sendo usada também por estudantes e baladeiros que querem bombar a energia e espantar o sono. A moda teria surgido em clubs e colleges norte-americanos.
O efeito de cada drágea de cloridrato de metilfenidato, nome verdadeiro da Ritalina, dura em média quatro horas. Assim como outras “inas” – a cocaína, a cafeína e as anfetaminas –, ela é considerada um psicoestimulante. Seu mecanismo de ação ainda não foi completamente elucidado. Mas acredita-se que ela aumenta a produção e o reaproveitamento da dopamina e da noradrenalina, neurotransmissores associados às sensações de prazer, excitação e ao estado de alerta do sistema nervoso. A bula alerta para a dependência física ou psíquica, além de elencar uma série de reações adversas como nervosismo, dificuldade em adormecer, diminuição no apetite, dor de cabeça, palpitações, boca seca e alterações cutâneas.
No FDA, órgão governamental dos Estados Unidos responsável por controlar alimentos e medicamentos, há 186 registros de óbito citando o uso prolongado do metilfenidato. Um dos nomes é o do jovem Matthew Smith – falecido aos 14 anos, metade deles fazendo uso da substância. Seus pais fundaram o Ritalindeath.com com a missão de “prover informações sobre a verdade oculta do TDAH e das drogas usadas em seu tratamento”.
“Bom, é o seguinte: você tem sinais de déficit de atenção e de ansiedade. Vou te prescrever um medicamento”, sentenciou o psiquiatra. O gravador escondido no bolso marcava exatos 23 min de consulta – tempo suficiente para ele me diagnosticar com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) e escorregar pela mesa uma receita para três caixas de Ritalina. Não precisei mentir nem exagerar nada. Em resumo, relatei que vez ou outra tenho dificuldade para me concentrar em coisas que não me interessam, que prazos podem ser um problema e que faz tempo que não leio um livro até o fim. O que foi? Se identificou com alguma coisa?


Laboratórios é que bancam


O site da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) é o primeiro que aparece quando se faz uma busca virtual sobre TDAH. Nele há o cadastro de médicos do país todo especialistas no assunto, onde encontrei o contato do psiquiatra que me atendeu. A associação, fundada pelo doutor Paulo Mattos e um paciente em 1999, também realiza eventos para divulgar a causa e oferece cursos de treinamento para professores.
A entidade é patrocinada pelos laboratórios que fabricam, segundo o site, “os remédios de primeira linha para o tratamento de TDAH”. São eles: Novartis, produtora da Ritalina e da Ritalina LA (mesma substância, mas com dosagens mais altas); Janssen Cilag, do sugestivo Concerta; e Shire, do recém-lançado Vevanse. “Ninguém recebe salário, exceto a secretária. Por isso precisamos de incentivos privados. Não há conflito de interesse, desde que, claro, você apresente a situação para as outras pessoas”, explica o doutor Paulo Mattos.
No ano passado, a Novartis e a ABDA promoveram em parceria o concurso “Atenção Professor”, com o objetivo de “ajudar os educadores a conhecer e lidar melhor com o TDAH”. Ganhavam as três escolas que apresentassem as melhores propostas de inclusão de portadores na sala de aula. Como prêmio, R$ 7 mil em dinheiro e uma garrafa de champanhe. Recentemente, um projeto de lei institucionalizando o diagnóstico e o tratamento de TDAH nas escolas foi aprovado no Senado, restando apenas três comissões para que a aprovação se repita na câmara dos deputados.

"Ciência não se discute”

A psicóloga Iane Kestelman, atual presidente da ABDA, descobriu a organização quando seu filho, “sumariamente reprovado em todas as matérias na escola”, foi diagnosticado com o transtorno. “Nossa vida mudou, e para melhor. Meu filho iniciou o tratamento e passou na melhor faculdade de economia do país. Ele toma remédio há 12 anos e não virou nenhum robô, como dizem por aí”, ela conta, a voz embargada do outro lado do telefone. Orgulhosa do caso de sucesso na família, ela relativiza a epidemia do TDAH e o boom nas vendas da Ritalina: “É um bom sinal. Significa que estamos cumprindo nosso papel, que mais gente está conhecendo a doença e o tratamento adequado”.
De acordo com uma pesquisa recente realizada por USP, Unicamp e Albert Einstein College of Medicine quase 75% dos jovens brasileiros que utilizam Ritalina ou similares não foram diagnosticados corretamente. Iane e doutor Paulo Mattos, porém, furtam-se a discutir uma possível fragilidade e/ou subjetividade no diagnóstico da doença. “Achamos isso ofensivo, inclusive. Ciência não se discute. Ela não está preocupada se você concorda com ela ou não”, diz a psicóloga. “Isso é um pseudodebate. Quem duvida da existência do TDAH nunca publicou nenhum artigo sobre o assunto, não tem qualificação. Você não vai chamar um pajé para discutir com um neurocientista”, engrossa o coro seu colega.

TDAH não existe!

Marilene Proença não é um pajé. É psicóloga, integrante do Instituto de Psicologia da USP, e opõe-se à razão de ser da ABDA. “TDAH não existe. O que existe são crianças diferentes, com formas de aprender diferentes. Algumas são mais focadas, outras mais dispersas. Não existe um padrão de aprendizado”, ela postula. Para Marilene, a solução não cabe em um comprimido branco de pouco mais de 1 cm de diâmetro: “Nenhum medicamento no mundo daria conta da complexidade que é o processo de atenção e aprendizado de uma criança. Ele envolve afetividade, desejo, representações que a criança cria”.
Para os pais aflitos, que não sabem o que fazer com seu filhos travessos, ela acena um caminho, antes que eles decidam passar a bola para um psiquiatra: “A primeira coisa é ouvir a sua criança. O que ela tem a dizer sobre a escola? Os amigos a tratam bem? O professor escuta ela? Mudar para uma escola que entenda melhor a criança também deve ser levado em consideração”.
O problema não estaria na cabeça das pessoas, mas na sociedade. É o que acredita Maria Aparecida Moyses, pediatra e professora da Unicamp: “Se tem tanta gente deprimida ou desatenta, temos que entender que elas estão sendo produzidas pelo modo que a gente vive. Nunca se tomou tanto remédio e nunca houve tantas pessoas doentes. Isso não pode estar certo. O que eles fazem é uma biologia de um corpo morto, de um cérebro sem vida, sem afeto, isolado do meio em que vive”.

Atendendo em um centro de saúde público em Campinas, ela diz já ter presenciado casos de jovens viciados no metilfenidato, que clamavam pela sua dose diária durante as férias, quando normalmente a posologia é suspendida. Pergunto então se ela daria Ritalina para um filho seu. “Sou contra”, ela retruca. “Ficar parado é, na verdade, uma reação adversa dos estimulantes. Focar atenção é sinal de toxicidade, não é efeito terapêutico.” Mas então o que você daria para ele? “Ritalina nem pensar. Daria... Rita Lee.”

Doente, eu?

Pela primeira vez na vida, nosso repórter visitou um psiquiatra. A razão: averiguar o surto nos diagnósticos de TDAH. Para sua surpresa, deixou o consultório com uma receita para três caixas de Ritalina 10 mg. Na dúvida, resolveu acatar o doutor – mesmo que apenas por uma semana

Quarta-feira

Tomo o primeiro comprimido às 10h30. Meia hora depois, sinto um anestesiamento sutil, como se uma película me separasse do entorno. Enquanto preparo a quentinha que levarei para almoçar, meu pai fala sobre uma passeata pró-Amazônia. Tenho que parar mais de uma vez para entendê-lo, como se não conseguisse fazer duas coisas ao mesmo tempo. Sinto uma pressão na cabeça. Assim que ponho os pés na rua, percebo que esqueci a quentinha. A caminhada do ponto de ônibus até a redação, coisa de 5 min, me dá uma sede surreal. Ninguém nota nada de diferente em mim.

Quinta-feira

Acordei várias vezes durante a noite, algo incomum para mim. Sonhei que estava na escola e que entregava uma prova de matemática em branco. Desperto com uma espinha na testa e uma enxaqueca fortíssima, que dura até a hora em que tomo o comprimido do dia. Não percebo nenhum upgrade na atenção, mas meus editores se espantam quando entrego um texto de duas páginas ainda no meio do dia – nenhum recorde, mas sem dúvida um episódio inédito na minha carreira. Relendo- o, porém, não gosto tanto do resultado. Não lembro da última vez que bocejei, mesmo sem tomar um gole de café há dois dias.

Sexta-feira

Hoje o negócio bateu de verdade. Sinto o maxilar travado. Estou ansioso. E a pressão na cabeça voltou. Tomar banho, esperar o elevador, pegar o ônibus e demais atos corriqueiros parecem mais enfadonhos que o normal. Estranhamente, fico doido para chegar à redação e trabalhar. Meu chefe diz que estou com uma cara estranha. De fato sinto os músculos da face meio paralisados, as expressões limitadas. Fico abespinhado sempre que algo ou alguém me interrompe. Sinto-me mais concentrado, mas percebo que só consigo focar uma coisa por vez.


Sábado e domingo

Como o doutor disse que o medicamento só deveria ser ingerido quando a atenção fosse exigida e que ele não combina muito com os prazeres mundanos da vida, resolvo suspender o uso pelos dois dias.

Segunda-feira

Estou introspectivo. Sinto os mesmos efeitos colaterais de antes – pressão na cabeça, ansiedade, irritação –, porém mais fortes e acompanhados de uma sudorese nas mãos. O pensamento embaralhou, passo o dia todo escrevendo e deletando na mesma proporção. No fim do expediente, um saldo mísero de um parágrafo. Não sinto fome na hora do almoço – outro episódio inédito. Me forço a comer uma torta de frango, que deixo pela metade. Fico preocupado.

Terça-feira

Por conta do rendimento pífio de ontem, estou atrasado para escrever esta matéria. Dado o revertério do dia anterior, decido não arriscar e ficar clean por hoje. Doeu, mas consegui parir o texto. Concluo que, no meu caso, nada melhor do que um prazo e um editor à espreita para acertar o foco e fazer o que deve ser feito".

II Seminário Internacional "Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos"

O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo vai realizar, de 11 a 14 de novembro o II Seminário Internacional "A Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos", que acontecerá  no campus Paraíso da UNIP em São Paulo.
Medicalizar é transformar em doença os sofrimentos que são decorrentes de fenômenos sociais e culturais: é  caso do fracasso escolar, por exemplo.




 Os objetivos do Seminário são:


 
  • Divulgar e discutir controvérsias científicas acerca do diagnóstico e tratamento de supostos transtornos de aprendizagem, tendo como pano de fundo a crítica à medicalização da sociedade.
  • Ampliar o debate sobre interesses econômicos e políticos subjacentes ao incremento da medicalização da educação e da sociedade.
  • Promover reflexões e discussões sobre políticas públicas de saúde e de educação de cunho medicalizante, visando a formulação de políticas embasadas em concepções de ser humano e de sociedade que contemplem a diversidade e a singularidade.
  • Subsidiar a atuação do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, nacional e internacionalmente.

 Vale a pena participar! Confira maiores informações pelo link: www.crpsp.org.br/medicalizacao
 

 

 

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Quais os benefícios da Psicoterapia?

"Um Encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.
E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei
no lugar dos meus.
E arrancarei meus olhos para colocá-los no lugar dos teus;
Então ver-te-ei com os teus olhos e tu ver-me-ás com os meus."

J.L.Moreno, criador do Psicodrama.



Por Luciana Stoppa dos Santos

Uma das possibilidades de trabalho do psicólogo é a psicoterapia, que tem origem nas palavras gregas psykhē -psique, alma, mente, e therapeuein - cuidar, curar. Podemos afirmar então que a psicoterapia é um processo de “tratamento”, de cuidado da alma. Nele, terapeuta e paciente refletem sobre padrões de comportamento e funcionamento mental dos indivíduos com o objetivo de promover a mudança terapêutica. A evolução do paciente (ou mudança terapêutica) acontece quando ele dá novo significado às vivências, reparando as conseqüências das experiências negativas por meio da exposição a situações emocionais mais favoráveis àquelas vividas no passado e que produziram registros traumáticos.

Mas o que leva uma pessoa a buscar psicoterapia?

Situações vividas ao longo da vida mobilizam questionamentos relacionados a valores, crenças e comportamentos que compõem nosso Conceito de Identidade. Trata-se de uma construção consciente e individual, que permite o desenvolvimento de uma imagem aceitável de si mesmo, dos outros e da realidade. Contudo, na maioria das vezes, este Conceito não corresponde à verdade sobre nós mesmos, pois há uma série de sensações, sentimentos e percepções que permanecem inconscientes, mas que ainda assim exercem influência sobre as atitudes e comportamentos. É do choque das “verdades” construídas com as “verdades” escancaradas pela vida que surge a angústia, sentimento de ser ou estar “incompleto”, que por sua vez origina o “processo de busca”, elemento fundamental para a psicoterapia. Este processo surge do nosso universo de relações: família, escola, trabalho, religião ou outros grupos sociais aos quais pertencemos.

Com relação à angústia, esta pode se manifestar em maior ou menor intensidade, e o paciente, por sua vez, pode ter maior ou menor condição de dar continência a ela,  o que caracterizará o tipo de comprometimento na saúde mental. Sentir angústia, ao contrário do que pode parecer, é positivo e todos podemos senti-la em algum momento de nossas vidas, o que não significa que estamos doentes. Angustiar-se exprime a capacidade de ressignificar a existência e isso pode ser feito através da psicoterapia.

A psicoterapia utiliza recursos e conhecimentos oriundos da psicologia e pode englobar diferentes linhas teóricas como a psicanálise, a psicoterapia cognitivo- comportamental, o psicodrama entre outras. O psicodrama, referencial teórico que utilizo em meu trabalho, mobiliza o cliente para vivenciar a realidade a partir do reconhecimento das diferenças e dos conflitos e facilita a busca de alternativas para a resolução do que é revelado, expandindo os recursos disponíveis.

O processo psicoterapêutico é uma construção partilhada entre terapeuta e paciente. Ao profissional cabe o preparo técnico, teórico e humano que respaldará seu trabalho e ao paciente o envolvimento genuíno com o processo de busca. Além de tratamento, psicoterapia é autoconhecimento. Sejam bem vindos todos aqueles que estiverem dispostos a abrir caminhos em suas próprias almas!

Os Direitos das Famílias...

1.O direito de sentir emoções intensas
2. O direito de procurar outra opinião
3. O direito de continuar a tentar

4. O direito de desistir
5. O direito à privacidade

6. O direito de ser uma família

7. O direito de não ser entusiasta

8. O direito de se sentir cansada da criança

9. O direito de ter tempo livre

10. O direito a ser quem melhor conhece a criança

11. O direito de estabelecer os limites

12. O direito à dignidade
 
Raver & Kilgo, 1991



Traduzido pelo Projecto Integrado de Intervenção Precoce – Distrito de Coimbra


anip.sede@iol.pt
piip.coimbra@mail.telepac.pt
http://www.esec.pt/anip

terça-feira, 12 de julho de 2011

A droga da Obediência


Olá leitor...companheiro psicólogo, pai, educador ou profissional da saúde: vale a pena ler esta matéria publicada na Revista Caros Amigos em 20 de fevereiro de 2011. A médica pediatra da UNICAMP, Maria Aparecida Afonso Moysés, parceira do Conselho Regional de Psicologia contra a Medicalização da Sociedade faz um alerta sobre a banalização do uso do metilfenidato como "tratamento para os problemas de atenção". Considero de extrema importância que nós psicólogos clínicos e escolares estejamos alertas para não referendar práticas patologizantes... Confira!


Por Lívia Perozim 
O Brasil é o segundo maior consumidor mundial dos psicotrópicos chamados metilfenidatos, prescritos para o tratamento de crianças diagnosticadas como portadoras do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Atrás apenas dos Estados Unidos, consumimos, em 2009, 2 milhões de caixas, ante as 70 mil consumidas em 2000. A droga, usada para tratar do que é considerado um distúrbio neurobiológico, é consumida, entre outros, por crianças e adolescentes desatentos, agitados e com dificuldades escolares. Apelidado de a “droga da obediência”, por acalmar e focar a atenção, o medicamento leva os sugestivos nomes de Concerta e Ritalina (produzidos pelos laboratórios Janssen Cilag e Novartis, respectivamente). Seu uso, no entanto, provoca acaloradas discussões. A pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, da Unicamp, é uma das vozes médicas a questionar a existência de “uma doença neurológica que só altere comportamento e aprendizagem”. Nessa entrevista, ela explica as reações adversas da droga e afirma que os critérios para diagnosticar o TDAH são normas sociais.
Carta Fundamental: O consumo de metilfenidatos no Brasil foi de 70 mil, em 2000, para 2 milhões de caixas, em 2009. A que a senhora atribui esse aumento?
Maria Aparecida Affonso Moysés: 
Outro dado é que o Brasil só perde para os Estados Unidos no consumo dessa droga, o que é assustador, porque este não é um medicamento seguro. O metilfenidato tem várias reações adversas. E veja só: não são efeitos colaterais, são reações adversas e indicam a retirada imediata da droga.
CF: Que tipo de reação?
MAAM: 
No sistema nervoso causa insônia, cefaleia, alucinações, psicose, suicídio e o principal efeito chamado de Zumbi Like. Significa agir como um zumbi, ou seja, a pessoa fica quimicamente contida em si mesma. Todos esses são sinais de toxicidade e indicam a retirada imediata da droga. No sistema cardiovascular o remédio causa arritmia, taquicardia, hipertensão, parada cardíaca. O risco de morte súbita inexplicada em adolescente é estimado em 10 a 14 vezes maior entre aqueles que tomam o remédio, segundo uma pesquisa de 2009 da Food and Drugs Administration (FDA) e de National Institute of Mental Health (NIMH). Não é desprezível. Além disso, interfere no sistema endócrino, na secreção dos hormônios de crescimento e dos sexuais. É uma substância com o mesmo mecanismo de ação e as mesmas reações adversas da cocaína e das anfetaminas.
CF: O metilfenidato é um estimulante usado para acalmar?
MAAM:
 Ele acalma pelo efeito zumbi, uma toxicidade. Uma coisa que não se pensa muito é o seguinte: o metilfenidato foca a atenção em quê? É aleatório. Ao conter as atividades cerebrais de tal modo que você não se distraia, esta única coisa em foco é eleita ao acaso. É o que passa pela frente. Não é uma substância que te faz focar no estudo. Não existe isso.
CF: O Brasil perde apenas para os EUA no consumo de metilfenidatos. O que aproxima as sociedades médicas desses países?
MAAM:
 A sociedade médica brasileira, há 50 anos, era voltada para a França. Hoje é voltada para os EUA. É quase mundial isso, mas na Europa ainda há uma resistência. Somos muito dependentes da tecnologia e da cultura americana, que impõe essa padronização e normalização das pessoas. A gente constrói uma sociedade que quer uma criança cada vez mais ativa e ligada no mundo. Crianças com 4 anos mexem no computador com várias janelas abertas ao mesmo tempo. Quando elas chegam na escola, queremos que elas façam uma coisa só e não questionem. Queremos crianças criativas, ótimas e submissas! Elas questionam, querem saber o porquê. O “não” não basta mais. E os adultos não aguentam isso. A sociedade é muito incomodada com os questionamentos e a gente acaba abafando isso via substância química. Junte isso ao interesse financeiro das indústrias farmacêuticas. Elas financiam cursos, viagens para médicos, vantagens em clínicas. Curso para professores financiado por um laboratório é algo estranho. Não sejamos ingênuos: eles estão, na verdade, treinando professores para identificar futuros clientes consumidores de suas drogas. E esse é um peso muito forte, que consta, inclusive, em relatório do departamento de justiça dos EUA, mostrando como a Ciba-Geigy (Laboratório que viria, a partir de 1996, a formar a Novartis) – financiava entidades de familiares e profissionais ligados à defesa das pessoas com TDAH.
CF: Quais os efeitos desses psicotrópicos quando tomados por longo período?
MAAM: Isso consta em qualquer livro de farmacologia. Vários trabalhos mostram que existe um risco de dependência química muito grande, além de uma dependência psíquica, porque a pessoa se sente mais ativa mesmo. E tem várias pesquisas mostrando que, quando a criança começa a tomar aos 4 anos e retiram o remédio aos 18, existe uma tendência muito grande de drogadição por substância mais pesadas. Se a criança está usando um estimulante desde os 5, 6 anos, ela vai buscar outra droga quando interrompe este uso. No mundo todo, clínicas relatam que metade dos adolescentes conta que começaram a drogadição e a mantém com ritalina. E a fala desses adolescentes é que eles começaram a usar porque é barato, acessível, fácil de comprar, embora tenha receita controlada. Segundo eles, os médicos diziam que era seguro. Como dizem até hoje. Mas não é uma droga segura.
CF: A discordância não é só quanto ao uso ou não da medicação, mas quanto à existência do próprio transtorno.
MAAM: 
A discordância básica é que não existe uma comprovação aceita de que haja uma doença neurológica que só altere comportamento e aprendizagem. Isso ainda não foi provado. A lógica da medicina é comprovar a doença e depois tratar. Para essa, o remédio foi encontrado antes.
CF: A comprovação seria se encaixar nos critérios do questionário Snap-IV.
MAAM: Aqueles critérios são altamente questionáveis. Aquilo não é critério de doença, é norma social. Como posso transformar uma norma social em biológica? O Snap-IV contém 18 perguntas, e as primeiras nove falam de atenção, e as outras, de hiperatividade. Se você preencher seis das perguntas, tem o diagnóstico de déficit de atenção, hiperatividade ou dos dois. Todas as questões falam de comportamento. Só com base nisso afirmam a presença de uma doença neurológica?
CF: A partir de que idade uma criança pode ser diagnosticada?
MAAM: 
Há relatos na medicina americana de crianças de 2 anos que teriam dislexia quando entrassem na escola. Como identificar que alguém vai ter dificuldades de ler e escrever aos 2 anos?
CF: Quem defende o uso da medicação argumenta que apenas seu uso incorreto não é seguro e que a criança que não é diagnosticada sofre.
MAAM: 
Sofre por causa da sociedade. Eu quero trabalhar o conflito que ela está vivendo e libertá-la desse conflito e de uma doença que ela não tem. É preciso entender isso até para poder superar e enfrentar. Agora, quando digo você é doente vou te dar um remédio, os pais ficam aliviados porque, enfim, encontram o problema e podem tratar o filho. Esse é o sonho de todo pai. Mas eles estão iludidos porque essa criança, na verdade, não está sendo tratada. Ela está introjetando ser doente, ter algum problema e tudo o que ela conseguir na vida vai ser porque foi tratada. É totalmente desconsiderada em que situação isso é produzido. Porque os problemas de aprendizagem são todos produzidos.
CF: O rendimento na escola das crianças medicadas melhora.
MAAM: 
É preciso provar que foi a droga porque se inicia um trabalho pedagógico com a criança, afirma-se que ela está doente, que está sendo tratada, a professora vai ensinar de um modo diferente, ela vai acreditar que pode aprender. A revisão dos trabalhos publicados que preenchem todos os requisitos de pesquisa científica mostra que não há melhora consistente do desempenho acadêmico. Esta é, inclusive, a conclusão de uma reunião feita nos EUA para estabelecer consensos para o diagnóstico e tratamento.



Quem quiser conferir no site basta acessar: 


terça-feira, 28 de junho de 2011

Depois de um longo tempo...

Peço desculpas pelo longo tempo em que não postava aqui! Depois de alguns meses na correria do trabalho pretendo retornar a este espaço mais assiduamente!

A seguir vocês poderão ler dois textos interessantes: um deles chamei de "Davaneios sobre o filme Dogville" e o Outro sobre meu trabalho com a Psicologia Escolar.

Confiram!

Até mais

Devaneios...


Dogville - CartazRelato aqui uma aventura: há algum tempo, participando de uma "Semana de Arte e Cultura", promovida pelos Cursinhos Populares de Ribeirão Preto, tive a proposta do grupo para discutir o filme Dogville. Digo aventura, pois a tarefa seria realizar uma correlação entre o referido filme e a Análise Psicodramática, referencial teórico em que baseio meu trabalho clínico. Trata-se de um filme nada convencional e bastante denso, sendo que tais características  contribuiram para que considerasse essa tarefa uma aventura...
Mas, como não tenho tanto medo de aventuras, resolvi partilhar a minha com vocês. A seguir apresento uma breve sinopse do filme e em seguida minhas reflexões. Entretanto recomendo que assista! Depois poderemos debater...

Sinopse
Anos 30, Dogville, um lugarejo nas Montanhas Rochosas. Grace (Nicole Kidman), uma bela desconhecida, aparece no lugar ao tentar fugir de gângsters. Com o apoio de Tom Edison (Paul Bettany), o auto-designado porta-voz da pequena comunidade, Grace é escondida pela pequena cidade e, em troca, trabalhará para eles. Fica acertado que após duas semanas ocorrerá uma votação para decidir se ela fica. Após este "período de testes" Grace é aprovada por unanimidade, mas quando a procura por ela se intensifica os moradores exigem algo mais em troca do risco de escondê-la. É quando ela descobre de modo duro que nesta cidade a bondade é algo bem relativo, pois Dogville começa a mostrar seus dentes. No entanto Grace carrega um segredo, que pode ser muito perigoso para a cidade.

Devaneios psicológicos sobre o filme Dogville.
         
          Como comentei anteriormente, vale muito e apena ver o filme para entender melhor estas palavras, que foram a base de uma discussão coletiva na "II Semana de Arte e Cultura" realizada pelos cursinhos populares de Ribeirão Preto. 
          Didaticamente escolhi algumas falas significativas durante o percurso do filme para nortear as reflexões que apresento a partir de agora.

         “Abria caminhos na alma humana, bem no ponto que ela criava bolhas”. Essa era a tarefa de Tom Edson. O que seriam bolhas na alma humana? Vazios, zonas de desorganização psíquica, pontos muitas vezes inacessíveis ao comando de nosso consciente. Essas “bolhas” são formadas por nossas vivências primitivas (aquelas que se estabelecem nas primeiras relações do bebê com mãe, pai e outras figuras de afeto e são registradas em nível de sensação, num momento de estruturação do psiquismo) e recentes (que são excluídas por se chocarem com o conceito de identidade, ou seja, a idéia que fazemos de nós mesmos). Elas aprisionam sensações e percepções negativas ligadas às vivências. Abrir caminhos na alma humana é desfazer tais “bolhas”, é integrar as experiências que estão fora do controle de nossa vontade e para as quais temos poucas explicações conscientes à nossa Identidade Psicológica.

Nosso Conceito de Identidade é formado por modelos e conceitos que são adquiridos e assimilados e configuram o que chamamos de “mundo interno”, o qual é constituído apenas por material consciente. Para a psicologia, o conceito de identidade é uma construção individual que permite o desenvolvimento de uma imagem aceitável acerca de si mesmo, dos outros e da realidade. É o mecanismo que o ego encontra para não se chocar com o “mundo cão”, do qual faz parte e é co-responsável. É a construção do que o psicodramatista Victor Dias chama de “chão psicológico”. Já a Identidade Psicológica, como dito anteriormente, é formada por material excluído (vivencias primitivas em nível de sensação e vivências que vão contra o conceito de identidade e que se tornam inconscientes) e material consciente.
Nosso psiquismo exclui do consciente vivências e percepções que se chocam com a imagem que temos sobre nós mesmos, ou seja, nosso Conceito de Identidade. Entretanto, esta exclusão acarreta uma sensação de falta, como se existisse – e existe – uma parcela de nosso psiquismo que não conhecemos.  É essa sensação que provoca nas pessoas a busca por explicações sobre si mesmo e predispõe a criação de rótulos que justificam atitudes e pensamentos, e que dão uma falsa sensação de identidade.
No filme, podemos identificar claramente alguns desses rótulos em todos os personagens, mas principalmente em Tom e Grace. O primeiro se diz um estudioso das questões morais e alguém capaz de seguir como poucos seus ideais, mas que se corrompe ao mínimo sinal de que sua imagem poderia ser prejudicada perante o pai. Grace é o sinônimo da aceitação e resignação, e considerava sua missão ensinar isso à Dogville. Ela deveria fazer “coisas que as pessoas da cidade não precisavam, mas que acabaram aceitando ser feitas” e se submeteu a situações desnecessárias, mas as aceitou “piedosamente”. Entretanto, apesar de sua atitude abnegada e piedosa, algumas vezes se permitiu entrar na provocação dos outros, como no momento em que o filho de Vera lhe pede uma surra (e ela dá, relutante no início), testando seus limites e chocando suas percepções sobre seu “conceito de identidade”, ainda que momentaneamente.
Com o decorrer da história, Grace intensifica seus trabalhos, mas isso não deixa ninguém mais feliz. Para conquistar a aceitação das pessoas, seus sacrifícios só aumentam, e ao se dispor a fazer o que as pessoas exigem, Grace fica cada vez mais fragilizada e mais suscetível aos “carrascos” da cidade. Isso nos faz pensar em outros tipos de relações em que observamos pessoas que se fragilizam por conta de outras, submetendo-se às mais absurdas situações de exploração e violência, para não chocar o frágil conceito que têm sobre si mesmas e sobre os que os cercam.
Quanto aos outros moradores, no início do filme, recebem a caracterização de “gente boa e honesta”, pessoas que tem esperanças e sonhos mesmo sob as mais duras condições. Porém, como a melhor maneira de conhecer as pessoas é conviver com elas, à medida que o filme avança podemos fazer uma real avaliação dos moradores de Dogville: mostram-se fracos, corruptíveis, vaidosos e carrascos. Uma fala muito simbólica do cego pode ilustrar o que quero digo: “Como uma pessoa que ama a luz, deixa a cortina fechada?”. As pessoas, ainda que adorem ser vistas e admiradas, têm medo de se mostrar, de evidenciar seus defeitos, suas mazelas, e por isso fecham as janelas para dificultar a passagem da luz. Porém, nem sempre podem manter a janela fechada e impedir que suas fraquezas venham à tona. Os seres humanos criam mecanismos para se defender do julgamento dos outros, mas, sobretudo, para se defenderem do julgamento de si mesmas.
Retomando os conceitos apresentados por no início, podemos observar que a trajetória dos personagens do filme reflete a trajetória de todos os seres humanos quando falamos em Identidade Psicológica e Conceito de Identidade. As situações vividas podem suscitar nos indivíduos questionamentos, confrontamentos relacionados àquilo que temos segurança em relação a nós mesmos, nossos valores, crenças e comportamentos. Neste momento, o psiquismo pode colocar em prática o que chamamos de “defesas conscientes” e justificar o porquê de termos determinado pensamento ou sentimento ou de nos comportarmos dessa ou daquela maneira. Contudo, estas mesmas situações podem mobilizar angústia e desencadear o que chamamos de Processo de Busca. Essa angústia é gerada por uma sensação de incompletude, de insegurança com relação aquilo que se tem e que não corresponde à toda a realidade, fazendo-nos buscar a nossa verdade, o que realmente somos.
No filme, podemos identificar uma situação em que Tom se dá conta de uma contradição interna, algo que se choca com o conceito que tinha sobre si mesmo até então. Isso acontece quando Grace o questiona sobre ter se deixado corromper pelos outros, ter sido tentado a fazer o mesmo jogo de exploração. Eis aqui uma fala ilustrativa desse momento: “Talvez tenha sido tentado a se unir aos outros e me explorar. Você tem medo de ser tão humano? Não é um crime dizer não a si próprio, mas é maravilhoso que não o faça”. Nesse momento, Tom se irrita com Grace, inicialmente por ter sido capaz de questionar sua integridade, mas depois se dá conta de que sua irritação não se deve ao questionamento em si, mas ao fato de que fora descoberto em sua fraqueza. A partir daquele, momento Grace se tornou uma ameaça a ele.
Tom faz, então, uma constatação acerca de sua Identidade Psicológica, aquilo que realmente corresponde à realidade. No filme, ele admite que se descobrir arrogante e fraco naquilo que considerava sua maior virtude – a moral- não fora fácil. Na vida real, esta constatação também não é fácil. Integrar conteúdos excluídos de nosso consciente pode ser um processo longo e doloroso, que algumas vezes acontece através das circunstâncias de vida, mas, na grande maioria das vezes, acontece durante a psicoterapia. A facilidade ou dificuldade em integrar esse material excluído ao Conceito de Identidade, ou seja, tornar consciente uma verdade que antes era inconsciente, depende do que chamamos de auto-continência, ou seja, a capacidade que os seres humanos têm de suportar a própria angústia. Essa habilidade de se auto-aceitar, de flexibilizar conceitos pré-existentes, é um sinal de saúde mental!
Para Grace, esta constatação aconteceu por meio dos questionamentos de seu pai. Até então ela se protegia atrás de uma postura misericordiosa e complacente. Como ela poderia julgar aquelas pessoas, vivendo naquelas condições? Ele a acusa de arrogante, pois perdoa aqueles que a exploram. Ela não os julga, pois tem medo de ser julgada da mesma maneira, se solidariza, se identifica com seu comportamento de cães, que “lambem o próprio vômito”. Em determinado momento do filme, o narrador destaca o que seria uma habilidade de Grace: “afastar as coisas desagradáveis para longe, o raro talento de olhar para frente e bem para frente”. Mas o que é “afastar as coisas desagradáveis para longe”? O que significa, neste caso, “olhar para frente e bem para frente”? Significa nunca voltar para dentro de si mesma, evitar a angústia e nunca questionar posturas e convicções.
Ao final do filme, Grace se dá conta de toda a opressão que lhe foi imposta. Opressão a qual se submeteu sob a alegação de que tinha a missão de ensinar-lhes aceitação. Era como se “de repente a luz pudesse penetrar em todas as irregularidades das casas e das pessoas”. Contudo, a “vítima” que passara pelas mais diversas situações de opressão, reverteu a situação mudando de lado e tornando-se opressor, ainda que sob a alegação nobre de “quero fazer este mundo um pouco melhor”.
“Uma cidade não muito distante daqui”. Dogville retrata a realidade da alma humana, em sua crueldade, sua desumanidade. Realidade que independe de fronteiras ou cultura, mas que é da natureza da espécie e se repete em cada ser. Faz-nos pensar na convivência simultânea de dois personagens, vítima e carrasco dentro de nós. Tom e Grace refletem muito bem esta dicotomia. Ao abdicar de cenários, podemos observar profundamente cada personagem através de uma “transparência” que nos permite enxergar a alma humana sem qualquer defesa ou rótulo que possa justificar sua fraqueza. 

O CIPE e a Psicologia Escolar

  
          A Psicologia Escolar e Educacional tem se constituído como um importante campo de atuação do psicólogo, muito embora, o trabalho deste profissional nas escolas seja bastante confundido com o modelo clínico/psicoterapêutico.  Na realidade, os serviços de Psicologia dentro das instituições educativas devem romper com a tendência à patologização ou medicalização, que padroniza e estabelece diagnósticos classificatórios e excludentes, superando queixas individuais e atuando numa perspectiva institucional.
O Conselho Regional de Psicologia em Nota Técnica sobre a atuação do Psicólogo Escolar (disponível em www.crpsp.org.br) afirma que este profissional deve contemplar em sua prática ações que considerem a realidade escolar brasileira, a diversidade cultural e as dimensões psicossociais das comunidades educacionais. Além disso, é fundamental que se insiram em projetos coletivos multidisciplinares contribuindo para a elaboração, implementação e avaliação do projeto político pedagógico da escola e ampliando espaços de reflexão acerca das estratégias de ensino aprendizagem que considerem os desafios da sociedade contemporânea.
           Diante do exposto e das inúmeras demandas das comunidades escolares, o CIPE tem como proposta oferecer um serviço de qualidade que prima pelo compromisso ético de promover a liberdade, a dignidade, a igualdade e a integridade dos usuários de seus serviços, trabalhando em prol da saúde e qualidade de vida de indivíduos e coletividades. Ademais, garantimos atuar com responsabilidade por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática.
Temos como referencial teórico o Psicodrama, criado por Jacob Levi Moreno (1889-1974),  e baseado na idéia de que o ser humano deve ser concebido e estudado através de suas relações interpessoais, ou seja, dos grupos nos quais ele está inserido. Sendo assim o homem é considerado um ser social que possui recursos inatos: a espontaneidade, a criatividade e a sensibilidade. Entretanto, as condições do ambiente ou do seu sistema de relações podem impedi-lo de utilizar de forma plena seus recursos, ou seja, tem a espontaneidade, a sensibilidade e a criatividade bloqueadas. A recuperação desses recursos vitais se dá na medida que os indivíduos ressignificam relações afetivas e mudam definitivamente sua ação sobre o meio.
O Psicodrama considera o ser humano como um agente participante de sua própria transformação, sendo que ela acontece na medida em que o indivíduo cria uma reposta nova -criativa e espontânea- rompendo com padrões de comportamento automatizados. A dramatização é o método pelo qual o indivíduo pode entrar em contato com seus conflitos e conquistar o autoconhecimento.
Dentro do foco sócio-educacional, o Psicodrama tem sido utilizado, no Ensino Fundamental, para identificar razões e graus de agressividade presentes nos grupos, além de revelar a capacidade de se lidar com realidade e fantasia. Os professores de educação infantil têm sido trabalhados através do teatro e técnicas psicodramáticas objetivando a ampliação e enriquecimento das possibilidades metodológicas do ensino, da expressão e comunicação, desenvolvimento da criatividade e humanização da relação professor/aluno.
Na escola, em encontros bimestrais de pais, a metodologia psicodramática tem ajudado a intensificar a relação escola/família e, em reuniões pedagógicas mensais com os professores, tem aperfeiçoado a atuação e qualificação de profissionais através do treino de papéis. O Psicodrama na sala de aula também tem trabalhado as relações entre adolescentes e seus grupos, evidenciando relações de exclusão e rejeição, identificando diferentes papéis existentes no grupo, propondo a transformação da sala de aula num espaço de relação afetiva entre aluno, professor e colegas, ressignificando vínculos.


 Para tanto, oferecemos assessoria em psicologia escolar com o objetivo de:

1)    Contribuir teórica e praticamente, junto aos professores e demais agentes educativos na construção do processo de ensino-aprendizagem e auxiliá-los a atender demandas diárias dos Educandos, salientado as características psicológicas pertinentes ao momento maturacional de cada faixa etária e preparando-os para oferecer continência às crianças e jovens no que tange suas demandas efetivas.
2)    Desenvolver, junto com a equipe e outros setores do colégio, trabalhos direcionados aos pais, cujo intuito é o de perceber e ampliar a participação e o envolvimento da família na formação do Educando.
3)    Orientar e realizar aconselhamento psicológico do Educando e/ou seus responsáveis;
4)    Assessorar a equipe escolar na realização de Projetos Interdisciplinares abordando temáticas como: Habilidades Sociais; Habilidades Sociais Educativas; Ética, Meio Ambiente, Afetividade e Sexualidade, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo e Saúde, Afetividade e Sexualidade, Cidadania, Projeto de Vida, Orientação Vocacional, Cultura de Paz.
É com imensa satisfação que partilhamos com as instituições sérias de Ribeirão Preto o projeto de trabalho do Centro Integrado de Psicologia e Educação, que visa atender aos diferentes atores do processo educativo: educandos, famílias e escolas. 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Transtornos de Aprendizagem e Fracasso Escolar: uma correlação possível?

Por Luciana Stoppa dos Santos

* Texto elaborado para o Boletim "Aprendendo a Ensinar", do Projeto Plural.

Ao iniciar uma reflexão para o nosso boletim “Aprendendo a Ensinar”, penso nas contribuições que o Grupo de Estudos Permanente (GEP) e o Projeto Plural podem dar a você leitor, profissional da educação, da saúde, pai ou interessado no assunto: Transtornos de Aprendizagem e Fracasso Escolar. A idéia deste pequeno ensaio surgiu quando partilhava com o grupo minha participação em um evento ocorrido em Ribeirão Preto no mês de agosto: o Congresso Aprender Criança[2], cujo objetivo era estudar Educação Cérebro e Aprendizagem. Observei algumas coisas que, como profissional e investigadora na área de educação, fizeram-me refletir sobre antigas e polêmicas questões: os Transtornos de Aprendizagem e sua relação (ou não) com o Fracasso Escolar. Faço aqui alguns apontamentos que me suscitaram a reflexão.

Preocupa-me o fato de que num evento que se propôs discutir “Mente, Cérebro e Cognição”, a maioria dos palestrantes era de neurologistas e psiquiatras renomados no “tratamento” de Transtornos de Aprendizagem, mais especificamente a Dislexia e o TDAH. Somado a isso, a maior parte da programação do citado evento consistiu de palestras sobre fatores de risco, diagnóstico e trata-mento de Dislexia e TDAH sendo que o grande público do evento era de professores. Pouco se falou sobre estratégias pedagógicas e muito menos sobre questões sociais, econômicas e culturais relacionadas ao não aprender, ou fracasso escolar.

Não venho aqui questionar a competência destes profissionais no diagnóstico e tratamento destes transtornos. Questiono sim, até que ponto a medicina deve adentrar questões relativas aos problemas enfrentados pelas crianças que não aprendem. Não é raro professores receberem dos médicos um rol de estratégias pedagógicas a serem utilizadas com alunos com Dislexia e TDAH. O Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos (2009) [3] afirma: “sem dúvida o cérebro pode armazenar informações. Mas que tipo de informações? Os neurocientistas não tratam destas questões. Responder a elas é o trabalho de cientistas cognitivos, pesquisadores educacionais e outros estudiosos que investigam os efeitos das experiências sobre o comportamento e o potencial humano”.

Mas será que os educadores estão assumindo seu importante papel de mediadores da aprendizagem? Estão sendo isso investigadores e “especialistas” em estratégias pedagógicas dentro da sala de aula? Corremos o risco do Fracasso Escolar tornar-se problema de saúde pública e não de educação, legando à Dislexia e ao TDAH as causas do “não aprender”, ou seja, reduz-se uma questão com sérias implicações culturais, econômicas e socais à um fenômeno biológico.

Não se trata de negar o substrato biológico, mas trata-se de ampliar a discussão de um problema que tem sérias implicações sociais, econômicas e culturais. Acredito que há muitas lacunas na formação do professor quanto às bases neurais da aprendizagem, contudo tal formação deve abordar questões relacionadas ao funcionamento do cérebro saudável, para então pensar no cérebro com o possível transtorno. Ao obter este tipo de formação o professor terá total condição de traçar estratégias pedagógicas para ensinar a todos e a cada um em suas especificidades. Quando, no entanto, a formação privilegia o cérebro com transtorno, o perigo é intensificar avaliações subjetivas – os estereótipos – que corroboram o sucesso ou o fracasso escolar dos alunos. Collares e Moysés [1] ressaltam esse processo quando afirmam que “a aprendizagem e a não-aprendizagem sempre são relatadas como algo individual, inerente ao aluno, um elemento meio mágico, ao qual o professor não tem acesso, portanto, também não tem responsabilidade”.

O diagnóstico atribui (ainda que não explicitamente) a responsabilidade de não aprender unicamente à criança. Educa-dores, psicólogos e demais profissionais devem estar alertas às conseqüências da cultura de medicalização da sociedade, de um discurso que há séculos dita normas e padrões de saúde e doença, incluindo nestes “desvios da normalidade” as questões do “não aprender na escola”. Ainda que consideremos o TDAH e a Dislexia como fatores que interferem no não aprender, temos uma parcela imensa de crianças não diagnosticadas que não aprendem. E o que dizer daquelas que estão dentro da curva normal: será que estão aprendendo da melhor forma? Acredito que estratégias eficientes para crianças com TDAH e Dislexia podem e devem ser utilizadas com todas as crianças, pois normalmente privilegiam a presença do educador junto ao aluno e conseqüentemente favorecem o olhar deste profissional para as peculiaridades do mesmo.

Falar sobre o fracasso escolar implica discutir concepções de infância, de família e de escola, ampliando assim, o universo de reflexão e distanciando a questão da simples medicalização ou patologização do “não aprender”.

Se outras discussões são necessárias, partamos a elas.

A criança dos últimos vinte anos cresce em espaços extremamente limitados e convive muito pouco com seus pais, sendo que os profissionais da escola são muitas vezes os únicos adultos com quem ela se relaciona durante um dia inteiro. Por sua vez, os pais educados de maneira repressiva e que por conta das exigências mercadológicas distanciam-se de seus filhos, compensam a ausência com excesso de mimos e de permissividade, não permitindo a eles desenvolverem a importantíssima capacidade de tolerar frustrações! Somado a isso, há o intenso bombardeio de informações vindas dos veículos de comunicação e a presença maciça e muitas vezes indiscriminada da tecnologia na vida de crianças bem pequenas.

As mudanças de paradigmas são inevitáveis, porém vêm sempre acompanhadas de excessos: na tentativa de construir novas formas de ressignificar a vida, o ser humano acaba indo de um extremo ao outro! E as crianças tornam-se as maiores vítimas deste processo. O que dizer ainda do modelo educacional que segue à risca a cartilha da medicalização, padronizando e excluindo o que não se adapta: crianças portadoras de deficiência, por exemplo, conquistaram somente a partir da LDB de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases para a Educação - o direito de freqüentar as escolas regulares, fora das salas especiais (essa ainda é uma questão polêmica, pois muitas escolas não se adaptaram para receberem as crianças).

A educação médica privilegia o sintoma e deixa de lado o sentido de sua manifestação. Os “sintomas” que temos são: crianças inquietas, “indisciplinadas”, que não estão aprendendo e que continuam sendo ignoradas. Entretanto, cabe aos profissionais da educação e gestores públicos identificar as causas do fenômeno e aplicar as medidas adequadas para solucioná-lo. Solucionar os “problemas de não aprender” significa promover a reestruturação dos projetos político-pedagógicos e dos currículos. Tal reestruturação deve ser acompanhada de mudanças na concepção de aprendizagem, que estimula a competição e responsabiliza unicamente o aluno ou a escola pelo sucesso e pelo fracasso, ao ser referendada pelo resultado.

Além disso, importa ficar atento às manobras políticas que se travestem em políticas de equidade como slogans do tipo “Educação para todos”. Para o Estado, a “redução” nos índices de Fracasso, ou redução da Evasão Escolar, significa a diminuição de custos sociais (menores investimentos em cultura, lazer e prevenção de violência, visto que as crianças agora estão dentro da escola) e políticos (a sociedade deixa de pressionar o Estado). Agora o aluno não abandona a escola, afinal a aprovação é compulsória. Entretanto, Freitas [4] afirma que houve, desse modo, a internalização do fracasso, pois o sistema educacional transformou a exclusão formal em exclusão subjetiva ao criar trilhas desvalorizadas no interior da escola, usando recursos como salas de aceleração, reforço de ciclo e correção de fluxo. Não critico a progressão continuada, pois acredito que a reprova não garante o aprendizado. Ao contrário, aponto algumas deturpações no modelo brasileiro, que não a utiliza da maneira como foi concebida – aqui ela acaba sendo aprovação automática.

Diante de polêmicas como estas, como ficam neurocientistas e educadores que se propõem a integrar as ciências do ensino-aprendizagem sem cair no lugar comum de apenas conhecer sobre a doença e seu diagnóstico? Qual o papel dos profissionais da educação que buscam essa nova forma de compreensão do fenômeno da aprendizagem? Acredito que a integração é aquela que busca dirimir qualquer concepção que exprima dualidade e considera os indivíduos a partir de seus determinantes subjetivos, sociais, culturais e biológicos. Dialogar e transitar por diferentes áreas de conhecimento - filosofia, antropologia, sociologia, psicologia, pedagogia e neurociência - é fundamental para o educador moderno, que cria novas possibilidades de trabalho dentro e fora da sala de aula e que tem papel decisivo na sistematização de novos conhecimentos e no direcionamento da agenda de pesquisas na academia.



Referências Bibliográficas:

*1+ COLLARES, C. A. L; MOYSÉS, M. A. A. A transformação do espaço pedagógico em espaço clínico. (A patologização da Educação).

Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_23_p025-031_c.pdf

[2] Congresso Aprender Criança 2010, Ribeirão Preto, SP, 2010.


[3] Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, Como as Pessoas Aprendem, 2009.

*4+ FREITAS, L.C. A internalização da Exclusão. Educ. Soc., Cam-pinas, v. 23, n.80, p.299-325, 2002.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Evento gratuito "Café, Educação e Neurociências"

Atendendo a pedidos, o CIPE realizará em seu espaço mais uma vez, a palestra "Café, Educação e Neurociências" no dia 16/02, quarta-feira próxima. O evento é gratuito, basta confirmar sua presença antecipadamente por e-mail ou por telefone. Até lá!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Desafio de ensinar

A aproximação entre as neurociências e a pedagogia pode significar melhoria da qualidade de vida para milhares de pessoas.


Não basta entender como se aprende, é preciso descobrir a melhor forma de ensinar. Há décadas, a psicologia, amparada pela neurociência, difunde que quando um aluno que se sente afetivamente protegido é desafiado a aprender, ocorrem mudanças físicas e químicas em seu cérebro, o que facilita o acolhimento e a reconstrução das informações.

A pedagogia neurocientífica, como denominam alguns pesquisadores, pode ser compreendida como o estudo da estrutura, desenvolvimento, da evolução e do funcionamento do sistema nervoso com enfoque plural: biológico, neurológico, psicológico, matemático, físico e filosófico. Nessa equação complexa, processos químicos e interações ambientais se aproximam e se complementam, propiciando aquisição de informações, resolução de problemas e mudanças de comportamento. Na prática, a aproximação entre as neurociências e a pedagogia pode reverter em melhoria da qualidade de ensino para milhares de estudantes.

Os benefícios são bem-vindos – e necessários. Afinal a realidade é preocupante. Levantamento do Ministério da Educação revela que 20% dos brasileiros entre 15 e 19 anos são analfabetos, o que representa 12 % da população brasileira. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Brasil tem o sétimo maior contingente de analfabetos do planeta. Mais que mapear o cérebro, desvendar os meandros de seu funcionamento, compreender fluxos e refluxos de neurotransmissores, acompanhar dinâmicas complexas e transformar passos da resolução de um problema em modelos matemáticos, observar e diagnosticar, pesquisadores de diferentes segmentos estão interessados nas implicações sociais da aquisição de conhecimentos que possibilitem a inclusão de milhares de crianças, adolescentes e adultos – e não apenas no que diz respeito à quantidade de pessoas com acesso à escola, mas também levando em conta a qualidade da educação oferecida.

O cérebro humano, porém, não possui nenhum módulo automático que permita o domínio de práticas como a leitura, a escrita ou cálculo. O aprendizado é sempre um processo único, que envolve afeto. Por isso conhecer o aluno e tratá-lo como sujeito único pode mudar o rumo de sua vida. É fundamental valorizar suas experiências.

A professora de história da escrita do Museu Metropolitano de Nova York e ex- professora do Instituto de Psicologia da USP, Elvira Souza Lima costuma contar aos profissionais que assessora uma experiência que viveu com os Índios na Amazônia. Como na maior parte das escolas que visita, os professores de lá se queixavam da “falta de memória” das crianças, até para fixar conceitos considerados simples como cores. Ela, então, perguntou a um aluno de que cor era a árvore. “Depende”, respondeu ele. Depende da parte da árvore, do tipo, da hora do dia e de como a luz incide sobre ela. Parece banal, mas é fundamental que o professor compreenda com o cérebro da criança funciona para ajudá-la a aprender. Caso contrário, o professor vai teimar que a árvore é verde e o aluno apenas vai decorar a resposta, sem que isso faça sentido para ele.

É muito importante que o professor saiba que o cérebro humano se organiza em torno da formação de significados. Um campo de significação é uma rede de informações e experiências relacionadas entre si que constituem sentidos para o indivíduo e possibilitam a formação de outros significados. A aprendizagem formal ocorre se houver no procedimento pedagógico, previsão de trazer o novo relacionado a um conhecimento prévio do indivíduo, o que facilita construções e desdobramentos de sentidos.

 
Glaucia Leal - Jornalista, Psicóloga, Psicanalista e editora da revista Mente e Cérebro


Extraído da revista Mente e Cérebro – edição especial nº26

http://www.mentecerebro.com.br/